quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Gênese

Construo pedra
caule
folha
raiz de pernas em chumbo profundo...

A inefável membrana do sopro
Onde tudo é vácuo
Balão gasoso.

Pérolas emperram roldanas.
Desengrenagem,
Antimáquina,
Só ferro e aço e ácido
Noutra combustão qualquer.

Labareda.
Língua vertical em adereço vulcânico.
Caras bocas paus vertigem...
Fuligem em líquido fecundante.

Carnaval...
Antes noite que arde entre reza e vício.
Barro africano em gênesis procria mundos, caravelas, capitanias.

A lâmina escorre das veias heréticas
de deuses subnutridos de tanta fé
na angústia redentora dos sentidos metafísicos da palavra dor.

The end.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Poética

O verso sobretudo
Mas não apenas verso.
A página em branco
Mas nunca só papel.
A letra descarnada
Antes grávida palavra.
O ato – mítica escrita da palma da mão.

O som, o inaudível
Mas sempre quase ritmo.
O ruído da memória
Mas nada menos que sono.
A voz vibrando signo
Mas onde tudo grito.
O ar: úmido neurônio da canção.

A luz no entanto
Mas pouco mais que brilho.
O azul do astronauta
Mas não somente pássaro.
O arco da espessura branca
Mas quando muito o olho.
O umbigo (berço labiríntico da escuridão).

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Da incapacidade de ser prudente


A maturidade trouxe-me um desejo que não acreditava, nos meus devaneios mais inconscientes, ser possível exercitar. A necessidade de expressar-me publicamente em linguagem poética. Apesar de a poesia me acompanhar desde sempre, via-me impedido, contrito, num misto de temor e incapacidade de ver através dos olhos públicos o que me é tão caro. Apesar da necessidade sempre presente de expressão, faltava-me coragem de ultrapassar essa divisa entre o que me é tão falho e íntimo e que transformado em poesia precisa do olho do leitor para ganhar vida própria. Todo texto tem de ganhar vida na leitura, no olhar de um outro. E esse transportar-se na leitura é, sob certos aspectos, um parto, um lançar-se no abismo, no segredo do salto. Um desafio que nem sempre temos coragem de assumir. Assumo agora este desafio de lançar-me poeticamente neste blog. Agradeço aos amigos que me impeliram a este voo cego. Aos amigos que em diversos momentos de minha trajetória quase que me ultimaram a expor estes versos que ora começo a publicar. Esse blog é uma tentativa de me fazer merecedor desses olhares benevolentes. É fruto da vontade de colocar um pouco de poesia no cotidiano de quem o ler. Vejo-me tragando, de sob a terra, o mistério que até então minha vista não alcançara.


POEMA

Sob a terra,
Onde a raiz não alcança,
Dorme o verso
Onde a palavra dança.